Hummm ... chegou o sábado ... dia de colocar a leitura no computador em dia, de tirar o livro da cabeceira da cama, tomar aquela cervejinha com os amigos claro depois de uma bela "pelada" (no caso dos homens) ou de sentar com as amigas conversando por horas sobre tudo e nada ao mesmo tempo. Para quem tem criança pequena em casa, é dia de levá-los no parque, cinema, shopping , pois essa é a única maneira da casa permanecer arrumada . Para os solteiros ou namorando, dia de passear , ir para baladas ou ficar deitado horas assistinum filme após o outro no dvd ( ahhh.. não esqueça da cerveja gelada e da pipoca.. não somos de ferro..).
Pois bem ... sábado agora vocês tem um encontro marcado para ler uma crônica no Blogger Jornalismo Antenado. Isso mesmo, anotem na agenda, toda semana com um assunto e autores diferentes. Os temas serão diversos, a ideia é que ao final deixe margem para uma reflexão sobre o assunto. O espaço esta semana foi dedicado ao grande escritor porto-alegrense Luis Fernando Veríssimo. Um do mais respeitados cronistas brasileiros que se consagrou por seu talento com as letras , recheado de um humor refinado e por vezes sarcástico. Vamos então...
A Aliança
Esta é uma história exemplar, só não está muito claro qual é o exemplo. De qualquer jeito, mantenha-a longe das crianças. Também não tem nada a ver com a crise brasileira, o apartheid , a situação na América Central ou no Oriente Médio ou a grande aventura do homem sobre a Terra. situa-se no tereno mais baixo das pequenas afições da classe média. Enfim. Aconteceu com um amigo meu. fictício, claro.
Ele estava voltando para casa como fazia, com fidelidade rotineira, todos os dias à mesma mesma hora. Um homem dos seus 40 anos, naquela idade, em que já sabe que nunca será o dono de um cassino em Samarkant, com diamantes nos dentes, mas ainda pode esperar algumas surpresas da vida, como ganhar na loto ou furar-lhe um pneu. furou-lhe um pneu. Com dificuldade ele encostou o carro no meio-fio e preparou-se para a batalha contra o macaco, não um dos grandes macacos que o desafiavam no jângal dos seus sonhos de infância, mas o macaco do seu carro tamanho médio, que provavelmente não funcionaria, resignação e reticências... Conseguiu fazer o macaco funcionar, ergueu o carro, trocou o pneu e já estava fechando o porta-malas quando a sua aliança escorregou pelo dedo sujo de óleo e caiu no chão. Ele deu um passo para pegar a aliança no asfalto, mas sem querer a chutou . A aliança bateu na roda de um carro que passava e voou para um bueiro. Onde desapareceu diante dos seus olhos, nos quais ele custou a acreditar. Limpou as mãos o melhor que pôde, entrou no carro e seguiu para casa. começou a pensar no que diria para a mulher. Imaginou a cena. Ele entrando em casa e respondendo às perguntas da mulher antes de ela fazê-las.
- Você não sabe o que me aconteceu!
-O quê?
-Uma coisa incrível.
-O quê?
-Contando ninguém acredita.
-Conta!
-Você não nota nada de diferente em mim? Não está faltando nada?
-Não.
-Olhe.
E ele mostraria o dedo da aliança, sem a aliança.
-O que aconteceu?
E ele contaria. Tudo, exatamente como acontecera. O macaco. O óleo. A aliança no asfalto. O chute involuntário. E a aliança voando para o bueiro e desaparecendo.
-Que coisa - diria a mulher, calmamente.
-Não é difícil de acreditar?
-Não. É perfeitamente possível.
-Pois é. Eu ...
-SEU CRETINO!
-Meu bem ...
-Está me achando com cara de boba? De palhaça? Eu sei o que aconteceu com essa aliança. Você tirou do dedo para namorar. É ou não é? Para fazer um programa. Chega em casa a esta hora e ainda tem a cara-de-pau de inventar uma história emq ue só um imbecil acreditaria.
-Mas, meu bem ...
-Eu sei onde está essa aliança. Perdida no tapete felpudo de algum motel. Dentro do ralo de alguma banheira redonda. Seu sem-vergonha!
E ela sairia de casa, com as crianças, sem querer ouvir explicações.
Ele chegou em casa sem dizer nada. Por que o atraso? Muito trânsito. Porque essa cara? Nada, nada. E, finalmente:
-Que fim levou a sua aliança?
E ele disse:
-Tirei para namorar. Para fazer um programa. e perdi no motel. Pronto. Não tenho desculpas. Se você quiser encerrar nosso casamento, eu compreenderei.
Ela fez cara de choro. Depois correu para o quarto e bateu com a porta. Dez minutos depois reapareceu. Disse que aquilo significava uma crise no casamento deles, mas que eles, com bom senso, a venceriam.
-O mais importante é que voc~e não emntiu pra mim.
E foi tratar do jantar.
Fonte:- Parte integrante do livro "As mentiras que os homens contam" de Luis Fernando Veríssimo, pág 37 a 39. Ed. Objetiva,2001.
- Imagens Google.
Irônico? Cômico? Não. Apenas verdadeiro. Mas porque isso acontece? Porque as pessoas acreditam mais numa mentira bem contada do que numa verdade espetacular? A inversão de valores esta a cada dia maior. Perdemos a confiança na humanidade de tal forma, que a verdade pode estar gritando na nossa frente e ainda assim não a escutamos.
Veríssimo defende a tese que mentimos por uma questão de sobrevivência, que vale tudo pelo bom convívio social, pela harmonia dentro de casa, no emprego, na mesa com os amigos e principalmente no relacionamento. Para ele, mentimos para poupar as pessoas de uma verdade que elas não acreditariam. Bom, ao menos, foi o que aconteceu ao homem da crônica, qualquer mulher que passasse por situação semelhante, não acreditaria realmente na desastrata história de seu companheiro.
Culpa de quem? Do homem , da mulher ou da humanidade que está perdendo o crédito a cada dia? Rui Barbosa disse certa vez: "De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto". Ele falava da inversão de valores, do descrédito que damos ao honesto, a bondade, a pureza, porque é mais fácil acreditar que todos são maus, desonestos, mentirosos. Essa inversão compromete o convívio social e deve ser combatida com rigor por meio de pessoas comprometidas com o desenvolvimento humano e o progresso social.
Que existem pessoas desonestas, maridos e esposas infiéis, amigos interesseiros, é fato consumado, que não cabe aqui julgar ou tentar minimizar . Mas vale a pena refletirmos sobre essa questão da mentira versus verdade, sobre os valores morais que aprendemos desde pequenos através de nossos pais e/ou escola. Feita essa reflexão, vamos "tentar" ao menos dar mais crédito , senão a todos, ao menos a aqueles que amamos, porque se existe motivo para desconfianças algo está errado e precisa ser resolvido.
Márcia Canêdo