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quinta-feira, 14 de março de 2013

Nem tudo que reluz é ouro...


Existe um fascínio exacerbado pela tecnologia e suas modernas soluções para a comunicação organizacional. O louvor das novas mídias, especialmente a internet, leva à perda da noção crítica e da relativização dos benefícios. 
É positivo termos tantos canais de comunicação e mídias convergentes, em que todos podem virar autores. Publicamos, postamos e lemos com muito mais facilidade, o que é bem interessante, apesar dos muitos plágios e repetições. Mas, como perguntou Caetano Veloso nos anos 60 - em sua bela música Alegria Alegria -, podemos nos perguntar em 2012: Quem lê tanta notícia ? 

O Facebook foi o maior publisher da mídia digital no ano passado: em dezembro, os visitantes gastaram, em média, 4,8 horas no site, ante os 37 minutos do mesmo período de 2010. A visualização de vídeos online cresceu 74% e os brasileiros viram 4,7 bilhões deles. Isso consolida o segmento como uma das atividades online mais importantes da internet. Os dados são do relatório anual sobre as tendências digitais do Brasil, o “2012 Brazil Digital Future in Focus”, da ComScore. 


Abordagem interessante a da jornalista Natasha Singer, no The New York Times. Em artigo recente, afirma ser muito provável que a Acxiom Corporation saiba muitas coisas sobre nós - como idade, raça, sexo, peso, altura, estado civil, escolaridade, tendência política, hábitos de consumo, preocupações com a saúde, sonhos e assim por diante - do que sabem os nossos amigos. Para isso a empresa “de marketing de bancos de dados” (sic) utiliza mais de 23 mil servidores que capturam, comparam e analisam dados de consumidores. Seus servidores processam mais de 50 trilhões de “transações” por ano, em cerca de 1.500 categorias de dados por pessoa. Esta coleta e análise em grande escala tem como clientes grandes bancos, montadoras, pretrolíferas, grandes redes – e todas as companhias importantes que procuram conhecer muito bem os clientes. No Brasil, a Acxiom, afirma ter o registro de 175 milhões de pessoas !

Eli Pariser, autor do livro O Filtro Invisível, é um ativista digital que vem alertando contra a personalização em sites do gênero Facebook e Google. Segundo ele os resultados são filtrados para cada pessoa. Exemplo disso é que duas pessoas podem estar procurando a mesma palavra no mesmo momento e receberem resultados muito diferentes. Formas sutil de censura, que ele denomina de filtro invisível, na qual o internauta não é proibido de ver nada, mas a sua atenção é dirigida de forma que não perceba que a informação existe. Para Pariser há um dilema ético nessas formas como os resultados de busca são apresentados. 

Além de questões éticas e da privacidade, creio que excessos de canais podem ser o tal tiro pela culatra. Com a avalanche de informação, temos os plágios, repetições exaustivas e a falta de conteúdos criativos. Hoje os norte-americanos confiam bem pouco nas principais organizações de notícias dos Estados Unidos, revelou pesquisaelaborada pela Pew Research Center For The People and The Press. Em 2012 os veículos jornalísticos atingiram o menor grau de credibilidade da última década: 44% dos entrevistados atribuem nota 1 e 2 (negativa) para os meios. Em 2002 eram 30%. 

O sociólogo francês Dominique Wolton, um dos expoentes atuais das reflexões sobre a comunicação e na crítica da Web, alerta que o progresso tecnológico não significa, por si só, o avanço da comunicação humana e social. Para ele a mídia está submetida a uma dupla influência muito forte com a pressão econômica, através da concentração e a influência dos políticos que querem controlá-la. A elite dos jornalistas e das empresas de comunicação está muito próxima da classe dirigente. 
O Diretor do Laboratório de Informação, do Centro Nacional de Pesquisa Científica da França, afirma que a concorrência entre as mídias faz com que todos tratem do mesmo assunto. Esse comportamento mimético acabaria por diminuir a confiança que o público tem no jornalista. Seria necessário um jornalismo menos autoreferente e com  postura reflexiva sobre todos os problemas da sociedade. 

Para Wolton, a internet é o “Titanic da cibercultura” pois vê nessas tecnologias contemporâneas de comunicação uma ilusão de contato que, na verdade, fecha cada um sobre si mesmo. Em seu livro Informar não é Comunicar trata dessas questões e da idolatria da internet que tem por trás grupos poderosos e às vezes interesses escusos, coisas que poucos conseguem enxergar. 

Outro autor crítico interessante é David Rothkopf, que dirige a revista Foreign Policy e escreveu livros como Power, Inc. Nesta última publicação cita exemplos de como empresas gigantes podem se tornar empecilho ao funcionamento dos Estados. Segundo o jornalista, dos 193 países membros das Nações Unidas, 161 tem menos recursos que as 2 mil principais empresas do mundo. O crescimento das corporações pode não trazer problemas se não influenciarem resultados políticos, regulamentação de mercados financeiros etc. Mas, segundo ele, o que não deveria acontecer, muitas vezes acontece. O governo deveria ser, além de provedor de serviços essenciais, um garantidor de jogo justo, cumpridor das leis anti corrupção, mantendo distância do dinheiro privado em campanhas públicas e limitando a capacidade de atores privados de fazerem lobby. 

Rothkopf cita exemplos como a Exxon Mobil, cujo faturamento anual se compara ao PIB Sueco, que tem orçamento dirigido especialmente aos direitos da população. Toda a soma que o país gasta em diplomacia é menor do que a companhia gasta em relações públicas. Ela opera em mais localidades do que as que têm embaixadas da Suécia. 

Em 2000 Naomi Klein publicou Sem Logo - A Tirania das Marcas em Um Planeta Vendido. Em visão cética, construiu formulações sobre o reino das marcas. Abordou os efeitos negativos que o marketing pode ter na cultura, no trabalho e nas escolhas do consumidor, mostrando como multinacionais convertem o mundo em uma oportunidade de mercado. O livro se transformou em manifesto do movimento antiglobalização, ao relatar pressões impostas pelas grandes empresas sobre seus trabalhadores. 

Klein hoje escreve sobre questões como culture jamming e reclaim the streets. Apologiza o movimento que se posiciona contra os efeitos negativos da globalização sobre a vida urbana em sociedade. Coloca-se contra o automóvel como modo predominante de transporte e contra certa corrida tecnológica e produtiva que fez os trabalhos de fabricação passarem para países estrangeiros, em locais conhecidos como zonas de processamento de exportação, sem leis trabalhistas e em péssimas condições de trabalho. Como influência dessa corrente do pensamento, hoje temos movimentos como o Occupy, cujos participantes se rebelavam contra um tipo de capitalismo predatório. 

Em um livro mais antigo, o Ideologia da Sociedade Industrial, Herbert Marcuse repetiu a crítica ao racionalismo da sociedade moderna, e tentou esboçar o caminho que poderá nos afastar dele. Representante da Escola de Frankfurt, já relacionava avanço tecnológico e reprodução da lógica capitalista, com ênfase no consumo. Para ele o problema da sociedade moderna é a invasão da mentalidade mercantilista e quantificadora a todos os domínios do pensamento. Essa mentalidade se representa economicamente pelo valor de troca, ligado de modo íntimo aos processos de alienação do homem. Marcuse se preocupava com o desenvolvimento descontrolado da tecnologia, o racionalismo dominante nas sociedades modernas, os movimentos repressivos das liberdades individuais e o aniquilamento da Razão.
Em outro clássico Apocalípticos e Integrados, Umberto Eco analisava essa divisão frente à cultura de massa e a indústria cultural. De um lado a análise de que massificação da produção e do consumo constituíam a perda da essência da criação artística. Do outro lado aqueles que acreditavam vivermos enormes avanços, incentivo à criatividade e fortalecimento da democracia. 

Hoje com tantos jogos, chats e aplicativos sabemos que eles podem ter caráter viciante. A busca pelo equilíbrio na era digital fez surgir movimentos como o Wisdom 2.0. Em suas conferências seus integrantes abordam o que consideram o grande desafio do nosso tempo: fazer dos conectados, através da tecnologia, uma forma benéfica para o próprio bem-estar, eficaz em nosso trabalho, e útil para o mundo. 

Já é consenso que tecnologia demais faz mal à saúde. Nas conferências e entrevistas podemos notar que até os líderes e o alto escalão das grandes empresas de tecnologia têm manifestado preocupação com a intensidade do uso desses dispositivos e como estão prejudicando a produtividade e as interações pessoais. 

Alain de Botton é outro crítico da superficialidade do ambiente digital. Ele afirma que “companhias nervosas querem sempre entender o que é a mídia social. Mas se você observar de perto, na verdade as pessoas são bizarras”. Para o filósofo e escritor, que soma quase 240 mil seguidores no Twitter, o digital é apenas uma ferramenta de tecnologia.

Em entrevista durante a sua participação na Flip 2012 o escritor Jonathan Franzen afirmou que especialmente os jovens estão fascinados pela tecnologia como promessa de realização pessoal. Eles seriam mais contaminados por esse universo da imagem e da técnica, que não combina com o mundo real. “A tecnologia não cura a angústia” lembra o premiado autor. 

É certo que, nas palavras de Eco, estou sendo mais apocalíptico que integrado, ao citar autores dissonantes. Seria mais fácil utilizar os do discurso entusiasta, que encaram a tecnologia como o êxtase da Comunicação. Esses são bem mais abundantes. Mas, para evitarmos falências narrativas, é sempre bom termos visão crítica e considerar que, como no velho ditado, nem tudo que reluz é ouro. 



Texto: Marcos Ernesto Rogatto é jornalista e trabalhou na Revista Veja e TV Globo São Paulo. Atualmente é diretor da produtora Vista Multimídia. É formado pela PUC Campinas, cursou Ciências Sociais na Unicamp e fez Mestrado em Multimeios também na Unicamp.
Fonte: http://www.aberje.com.br/

Márcia Canêdo

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