Por motivos que extrapolam a
própria formação do planeta – na polaridade masculino/feminino dos ocidentais
ou Yin e Yang do tradicional conhecimento oriental, o pólo menos valorizado foi
o que corresponde à mulher e em muitos recantos do planeta continua sendo uma
realidade. Até na mitologia religiosa da Gênese humana a mulher é tida como um
apêndice, pois foi criada a partir de uma costela do Adão (figura que simboliza
o início da raça adâmica). Aspectos mitológicos à parte, nosso interesse é a respeito do que a mulher dita moderna pode fazer por si
própria e pela condição espiritual de encontrar-se hoje habitando um corpo
feminino com todos os seus direitos e obrigações. Que fique bem claro: com
todos seus direitos plenamente exercidos e obrigações cumpridas de forma
voluntária.
Primeiro vamos ver um pouco da
parte histórica da mulher:
A mulher no Antigo Testamento: Na Bíblia a mulher é sempre inferior em relação ao
homem, obviamente um comportamento que denota um ‘desvio de rota’ debitado à
mentalidade dos homens em nada se relacionando à vontade de Deus. Naquele
tempo, a sociedade era organizada de forma extremamente machista e a mulher está retratada no Livro Sagrado
quase sempre como uma personagem inexpressiva.O patriarcado, que é o
reconhecimento dos direitos do pai sobre sua família, servos, mulher e
propriedade, deu ao homem, detentor da força bruta, física, também o poder
sobre suas mulheres: poder de vida e morte.
O Novo
Testamento - Cristo e as mulheres: Também no Novo Testamento
a presença austera e sufocante do patriarcado se faz notar, por exemplo, no
tratamento dispensado a Madalena, que fora confundida e retratada
posteriormente como prostituta, sendo que, em nenhuma passagem dos
evangelhos,isto se verifica. Essa confusão persiste até os dias de hoje, e
devesse muito mais à tradição oral e o nível de educação e conhecimento das
palavras do Novo Testamento pelas pessoas, em geral. A história registra em
vários outros momentos que, quando uma mulher incomodava por demais, a maneira
de ‘exterminá-la’ era denegri-la moralmente,rebaixando-a para a condição de
herege, prostituta ou bruxa. As fogueiras da Inquisição que o digam. Jesus
subverteu o tratamento dispensado às mulheres que O seguiam, tornando-as suas
amigas, discípulas, seguidoras. Entre essas estavam mulheres comuns, enfermas
ou pecadoras, e Jesus concedia-lhes a mesma atenção e os mesmos direitos que
lhes eram negados pelos homens.
A mulher na
Doutrina Espírita : E
em relação à Doutrina Espírita, qual é o papel que esta reserva às mulheres?
Haveria algo semelhante a uma Teologia Feminista dentro da perspectiva
espírita? Em comparação com as demais religiões conhecidas dentro da tradição
judaico-cristã, ela não segue a tendência das demais em atribuir às mulheres o
papel de submissão, ou relegá-las ao silêncio dentro dos locais de culto, os centros
espíritas. É, pois, uma doutrina muito mais liberal em relação às mulheres.
O que justifica
essa atitude é justamente um dos pilares que a sustentam, ou seja, a crença na
palingenesia, ou a lei do eterno retorno (reencarnação), o que, segundo sua
crença, dá a oportunidade do espírito, imorredouro, estar num ou noutro
sexo. Como explica as perguntas 201 e 202 de O livro dos Espíritos. P.
201. “O espírito que animou um corpo de um homem, em uma nova existência,
pode animar o de uma mulher, e vice-versa?” – “Sim, são os mesmos Espíritos que
animam os homens e as mulheres”.
P. 202 “Quando se é
Espírito, prefere-se encarnar no corpo de um homem ou de uma mulher?” –“Isso
pouco importa ao Espírito; ele escolhe segundo as provas que deve suportar. Os
Espíritos se encarnam homens ou mulheres porque eles não têm sexos. Como devem progredir em tudo, cada sexo, como cada posição social, lhe
oferece provas e deveres especiais, além da oportunidade de adquirir
experiência. Aquele que fosse sempre homem não saberia senão o que sabem os
homens”.
Neste sentido
defende que não seríamos homens ou mulheres e sim que estaríamos como
homens ou mulheres, entendendo-se que para a completa evolução intelectual e
moral do ser humano, teríamos que experimentar as dores, os prazeres, as
limitações de ambos os corpos sexuados, uma vez que o espírito não tem sexo.
Estar num corpo sexuado, é, segundo a visão espiritista, uma aprendizagem
necessária para a evolução do espírito que é eterno, em contraste com a vida
corpórea que é perecível e passageira.
A filosofia e a
moral espírita conclamam à liberdade e igualdade de direitos, pois o Espírito é
dotado da faculdade de progredir, da faculdade do livre-arbítrio e da ciência
do bem e do mal, não importando se este está encarnado num corpo de homem ou de
mulher.
Para a doutrina
espírita, não há, portanto, distinção entre homens e mulheres, entendendo que
Deus não relegaria as mulheres a uma posição de inferioridade baseada no
‘determinismo sexual’, como tantas vezes utilizado como justificativa para a ‘natural’
assimetria de poder e de oportunidades entre os dois sexos, naturalização das desigualdades,
de toda discriminação, preconceito e violência que se cometeu, e ainda se
comete contra as mulheres.
A natural
justificativa para as desigualdades criadas socialmente para ambos, encontrou
diversas justificativas, tanto as ‘científicas’, como na sentença de Freud em relação
às mulheres quando diz: ‘anatomia é destino’, assim como nas justificativas
de‘ordem divina’, protagonizado pelo patriarcado que incrementou o discurso
religioso para oprimi-las e silenciá-las.
Na compreensão
da doutrina espírita, entende-se que os excessos e abusos cometidos contra as
mulheres são desvios de conduta pelo mau uso do livre-arbítrio, sustentando
ainda que as mulheres não são as pecadoras, nem as infiéis, nem amorais, fracas,
ciumentas, infantis ou vingativas, como entendidos no tratamento e na visão que
se tinha delas na leitura dos textos bíblicos e na conduta do sacerdotado das
igrejas cristãs em geral.
Os pressupostos
que a sustentam: o da pluralidade dos mundos e das existências,dizem que a
matéria é subordinada à vontade e às necessidades do espírito em constante
evolução. Isso tem um alcance mais libertário em relação à mulher, pois se o
espírito não tem sexo, tem-se na pluralidade das existências, igual chance de
encarnar neste ou noutro corpo, não havendo, pois, prerrogativas de poder entre
ambos. Para a doutrina espírita, todos são valorados em espírito, pois é ele
quem progride, e não o corpo físico. É o espírito que, sendo eterno, único e
indestrutível, é avaliado pelo bem que fez ou deixou de fazer, não importando
em que corpo esteve ‘aprisionado’ em seus anos terrestres. Esclarece que é
necessário para a evolução dos seres a reencarnação tanto num corpo físico de
um homem ou no de uma mulher. O Espírito como realidade eterna está em
constante evolução, para tanto deverá buscar o equilíbrio entre estas duas
polaridades – a masculina e a feminina. Acreditamos que essa visão mais
tolerante em relação ao sexo feminino, tem também outra explicação que não
somente a realidade do espírito. Essa igualdade de funções e de papéis dentro
da doutrina espírita reside na maneira pela qual ela se organiza
estruturalmente, pois não tem uma classe sacerdotal organizada
– prerrogativa de poder para os homens, o que libera as mulheres dos
falíveis dogmas humanos, para a livre aceitação do trabalho e dos estudos. A
situação das mulheres de outras denominações religiosas, que não têm os mesmos
direitos à hierarquia do poder em suas igrejas, nem nas decisões humanas
tomadas no seio da comunidade, é distinta, como sabemos.
A doutrina adota
em sua moral religiosa o princípio cristão do ‘amai-vos uns aos outros’,
lembrando a seus adeptos da necessidade do estudo, pois é através deste que se pode
atingir as condições de aperfeiçoamento. No Evangelho Segundo o Espiritismo, o
Espírito da
Verdade,
assim se manifestou aos adeptos: Espíritas! Amai-vos, eis o primeiro
ensinamento; instrui-vos, eis o segundo.” A importância dada aos
estudos é notória quando observamos, nos primórdios desta doutrina, os
nomes que ladearam o trabalho do Codificador. Eram artistas, literatos,
astrônomos, filósofos, pensadores e cientistas, do peso de Victor Hugo, Ernesto
Bozzano, Leon Denis, Camille Flammarion,
entre outros.
São de
Flammarion – amigo de Kardec estas palavras escritas em Urânia, em que
relata um mítico diálogo entre ele mesmo e a musa da astronomia, que, ganhando voz
diz ao astrônomo: Saiba você que o
Estudo é a única fonte de todo o valor intelectual. E o conhecimento do coração humano conduz à indulgência e à bondade;
jamais sejas nem pobre e nem rico, livra-te de toda a ambição e assim de toda a
servidão. Sê independente! A independência é o mais raro dos bens e a primeira
condição de toda a felicidade (FLAMMARION [1889], 2004, p.39)
A doutrina
espírita, portanto, antes de separar corpos e pessoas em função de seus
diferentes sexos, raça ou origem, os une em Espíritos que, anseiam pela
igualdade em evoluir conforme a lei de progresso e evolução, que, segundo sua
crença, sujeita à todas e todos, indistintamente.
Quem são elas?
Elas
sorriem quando querem gritar.
Cantam
quando querem chorar.
Choram
quando estão felizes e riem quando estão nervosas.
Elas
brigam por aquilo que acreditam e se levantam contra a injustiça.
Não
aceitam um não como resposta quando acreditam que há
uma solução melhor.
Elas
andam sem sapatos novos para que suas crianças possam tê-los.
Vão
ao médico fazer companhia a uma amiga assustada...
Amam
incondicionalmente...
Choram
quando suas crianças adoecem e se alegram quando ganham prêmios.
Seus
corações se quebram quando um amigo ou familiar morre, mas são donas de uma
força descomunal quando nem elas mesmas acreditam que ainda hajam forças.
Sabem
que um abraço e um beijo podem curar um coração quebrado.
Estão
nas salas de aulas, dando as primeiras lições à infância; nos hospitais,
amparando enfermos e nos esportes, arrancando aplausos.
Multiplicam-se
em orfanatos, velhanatos, sanatórios e albergues, socorrendo e amparando com
suas mãos operosas...
Podem
ser encontradas também na lavoura, arando a terra, distribuindo sementes e
fazendo a colheita...
Se
a enfermidade as visita, ainda assim não se revoltam nem se desesperam.
Suportam as dores com resignação e coragem.
Quando
abandonadas, lutam sozinhas, sofrem caladas e dão a volta por cima.
Machucadas,
escondem as feridas, disfarçam a dor e seguem em frente.
Elas
estão em todos os lugares do mundo...
São
de todos os tamanhos, todas as cores e formas...
Elas
são as mulheres...
Elas
irão dirigir, voar, andar, correr ou lhe mandar um e-mail, para mostrar o
quanto se importam com você.
Uma
mulher faz mais do que dar a vida. Ela traz alegria e esperança e seu coração
faz o mundo girar...
As
mulheres são adeptas da compaixão e sabem cultivar ideais...
A
mulher, tão desprezada pelo homem ao longo dos milênios, hoje assume o lugar
que lhe pertence nos cenários do mundo.
Agora
o homem reconhece que, se ele é o cérebro, a
mulher é o coração. O cérebro produz luz, o coração, o amor.
A
aspiração do homem é a suprema glória, a aspiração da mulher, a virtude
extrema. A glória traduz grandeza, a virtude traduz divindade.
O
homem é capaz de todos os heroísmos e a mulher é capaz de todos os martírios. O
heroísmo enobrece e o martírio sublima.
Se
o homem é um oceano, a mulher, um lago. O oceano tem a pérola que o embeleza, o
lago tem a poesia que o deslumbra.
Enquanto
o homem é a águia que voa, a mulher é o rouxinol que canta. Voar é dominar o
espaço, mas cantar é conquistar a alma.
O
homem tem um farol: a consciência; a mulher tem uma estrela: a esperança. O
farol guia, a esperança salva.
Enfim,
o homem está colocado onde termina a Terra e a mulher, onde começa o Céu.
E
por mais que o homem seja forte e invencível, enfrente ventos e tempestades, é nos
braços de uma mulher que ele procura paz e segurança.
Redação do Momento
Espírita com base no texto Mulheres, de autor
desconhecido e em poesia de Victor Hugo.
Referência: Revista Brasileira de História das Religiões
– Ano I, n. 3, Jan. 2009 - Dossiê Tolerância e Intolerância nas manifestações
religiosas