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segunda-feira, 4 de março de 2013

O lado oculto da luz




Você já deve ter ouvido falar que o lado oculto da Lua é o lado que nós não conseguimos enxergar a partir da Terra, uma vez que a translação e a rotação lunares possuem o mesmo tempo de duração.  Isso não significa, no entanto, que esse lado que não conseguimos enxergar fique no escuro ou, muito menos, que não exista. Pelo contrário, o lado oculto é banhado pela luz do Sol durante o período da lua nova. 

É possível que você também saiba que, devido à força gravitacional que exerce sobre a Terra, a Lua influencia o volume, o fluxo e refluxo dos líquidos e das águas existentes na Terra, no interior dos vegetais e no corpo humano. As marés dos oceanos, dos rios, a seiva dos vegetais e o fluxo de sangue e de líquido no organismo sofrem, portanto, uma grande influência da Lua, na medida em que ela vai se movimentando em relação ao Sol. Com isto a vegetação, a agricultura, a pesca, o clima e até a saúde se tornam fortes áreas de influências da Lua.

O que talvez você ainda não tenha ouvido falar é que todos esses aspectos da Lua podem nos ajudar a entender alguns fenômenos complexos que observamos no mundo corporativo, a começar justamente pela influência que as organizações atualmente exercem sobre a Terra. Estima-se que as empresas sejam responsáveis por 50% do PIB mundial. Outra expressão clara dessa influência é que, entre as 100 maiores economias do mundo, 51 são corporações e apenas 49 são países.  Para ficar entre as que estão entre as 50 economias mais ricas do planeta, o Walmart possui um faturamento maior do que a Noruega, que ocupa a 25ª. posição em geração de riqueza. A Exxon Mobil bate a Tailândia, 30ª economia do mundo. A Chevron deixa a República Checa no chinelo.  A Philips é maior do que o Paquistão. Concentração de riqueza, como todos sabemos, gera poder em praticamente todas as esferas decisórias. É a Lua no céu e as empresas na Terra.

As organizações também têm seu lado oculto – não, não estamos falando de caixa dois ou de segredos industriais, mas do lado que cada organização tenta esconder não apenas do mundo externo, mas principalmente de si mesma.  Na verdade, podemos observar que muitas organizações já nascem com um lado oculto, enquanto outras o criam durante seu processo de amadurecimento. Esse lado varia de empresa para empresa, mas parece sempre estar relacionado à clássica e já manjada visão dualista de mundo. Por exemplo, existem organizações que atuam dentro de uma hierarquia bastante rígida, com papéis claros estabelecendo quem faz o que e quem obedece a quem. Essas organizações se movem num mundo regido pelo que nos separa. Líderes convivem com líderes, e liderados convivem com liderados. Esses grupos dividem-se em subgrupos por departamento, por função, por faixa etária - os da geração Y e os da geração X, as secretárias, os trainnees. Cada um tem sua turma. É como se não houvesse nada capaz de unir a todos. O que fica oculto, neste caso, é justamente essa percepção dos aspectos que nos unem. 

Líderes e liderados têm direitos e deveres diferentes, mas também têm histórias pessoais, sonhos, sentimentos, experiências que, reveladas, possivelmente, seriam capazes de transformar muitos desconhecidos em grandes amigos. No entanto, “estamos aqui para trabalhar” e a rigidez do que nos separa é tão forte que esse outro lado simplesmente fica oculto, perdido em algum lugar onde a luz não chega. 

Por outro lado, para prosseguir no mesmo raciocínio, existem empresas que têm uma clareza enorme do que nos une. Também são facílimas de identificar, pois demonstram abertamente uma enorme preocupação com as pessoas, com o meio ambiente, com a comunidade. Procuram construir uma marca respeitada, inclusiva, próxima e, assim, acabam se destacando entre as melhores empresas para trabalhar, as mais admiradas pelos consumidores e as mais invejadas pelos concorrentes. Esse tipo de organização trabalha como se fosse possível um mundo regido apenas pelo que nos une. 

Uma amiga minha, responsável pelo RH de uma dessas organizações, explicitou que o que movia essa empresa era o medo de ser “como as outras”, ou seja, tornar-se refém da síndrome de casa grande e senzala. Ela se referia às empresas guiadas pelo que nos separa, onde manda quem pode, obedece quem tem juízo. No entanto, na medida em que ela própria ignora - evita - esse aspecto em sua cultura, também acaba refém de uma outra síndrome ainda mais perigosa: a síndrome do socialismo utópico, que atua a partir da crença de que as pessoas são iguais. E a razão de essa crença ser ainda mais perigosa é que a expectativa sobre uma empresa que atua a partir do que nos une é infinitamente maior do que a que se projeta sobre a que opera do outro lado. Espera-se muito pouco de quem age sob a égide mecanicista, mas dos que se apresentam como humanistas, a estes, só resta a perfeição!

Então, se o funcionário administrativo pode se ausentar em seu horário de expediente para resolver um problema pessoal, nada mais natural que o operário de chão de fábrica faça o mesmo. O problema é que, se um escritório pode ficar vazio por algumas horas, uma linha de produção não pode parar porque alguém precisou dar uma saidinha. As coisas não são tão simples assim. Quem trabalha em produção e quem trabalha no administrativo têm, sim, direitos e deveres diferentes. Não aceitar essa condição é criar um poderoso e perigoso lado oculto. 

“Pensamento positivo gera pensamento negativo, simplesmente porque toda ação provoca sempre uma contra-ação”. Esta frase não me sai da cabeça, desde que a ouvi durante a aula especial na Escola de Diálogo de São Paulo proferida por Patrick Paul, doutor em medicina que há mais de 40 anos se dedica ao estudo dos sonhos e a relação entre psicologia e espiritualidade. Ela serve tanto para mim quanto para as organizações. Ambos estamos cultivando nossos lados ocultos quando nos deixamos levar apenas por um dos lados da historia. Qualquer semelhança com os princípios que regem o diálogo não é mera coincidência. A principal finalidade do diálogo é justamente ampliar a visão sobre determinado assunto, algo só possível quando incluímos os diferentes pontos de vista que os cercam. Portanto, o caminho mais curto e eficaz para lidar com os lados ocultos que vamos criando ao longo da vida é conversar com quem, em função de sua posição diferente da nossa no mundo, consegue enxergar aquilo que não conseguimos ver – não apenas conversar, mas, mesmo que não sejamos capazes de olhar com os olhos do outro, aceitar sua visão de mundo. Ao fazermos isso, nosso mundo cresce junto.

A palavra luz significa luminosidade, mas também representa um dos atos mais maravilhosos da vida, o nascimento. Quando não conseguimos entender alguma coisa, pedimos a alguém que “nos dê uma luz”. Diz-se de quem alcançou um determinado grau de evolução espiritual que é um iluminado. Luz, em primeira e última instância, é consciência. Colocar luz sobre algo é, portanto, o mesmo que tomar consciência do que antes estava oculto. 

O único momento em que a Lua fica toda escura ocorre quando a sombra da Terra impede que os raios solares a iluminem. Aí então acontece o eclipse total lunar, prova absoluta de que a Lua não possui luz própria. Precisa do Sol para ser revelada.  Organizações não possuem luz própria. Precisam das pessoas para serem reveladas. Mais do que isso, são as pessoas que dão luz às organizações, assim como cada diferente olhar sobre elas é como um raio de Sol sobre a Lua: quanto mais olhares uma organização for capaz de incluir, tanto mais iluminada ela será.



Texto: Fábio Betti Salgado (www.fabiobetti.com.br), sócio-fundador da Salgado & Serapicos, iniciou na área de comunicação em 1988 na Johnson & Johnson e, depois, especializou-se em comunicação interna na Dow Química.  



Fonte:http://www.aberje.com.br

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