Há 20 anos, Brasil voltava a escolher seu presidente
Ricardo Miranda
A previsão da vidente mineira Neila Alckmin, a preferida dos ex-presidentes Juscelino Kubitschek e Tancredo Neves, de que o candidato Guilherme Afif Domingos (PL, atual PR) sairia vitorioso das urnas foi o assunto da noite no Bar do PT, no Bairro Alto dos Passos. O grupo, que há alguns meses se reunia ali, sempre às sextas-feiras, para planejar a campanha do candidato metalúrgico, Luiz Inácio Lula da Silva, preferia a outra previsão da vidente, que também não se concretizaria, e dava conta de que o candidato Fernando Collor (PRN) não chegaria vivo ao final do processo eleitoral sacramentado em novembro de 1989.
Homenagem ao Jornalista Político e professor Ricardo Miranda ao Jornal Tribuna de Minas -15/11/2009.
Márcia Canêdo
Bem longe dali, na estrada para Torreões, o secretário-geral do PMDB, Tarcísio Delgado, também se preocupava com o fenômeno Collor, que liderava com folga todas as pesquisas e que, em breve, estaria em Juiz de Fora para um comício. Tarcísio acabava de desembarcar no Aeroporto da Serrinha. A pedido de Ulysses Guimarães, que era o candidato do seu partido à Presidência da República, ele viajara até a distante e evidenciada Alagoas, onde Collor teria colocado, pelo menos, uma dúzia de marajás para correr.
O bom desempenho do candidato do PRN, que tinha como segundo nome de sua chapa o senador juizforano Itamar Franco, também filiado à sigla, havia entrado também na pauta do recém-criado PSDB. Os tucanos, ainda na sua primeira plumagem, tinham fortes lembranças da visita de Mário Covas - ainda em novembro de 1988 - que conseguira arrastar milhares de pessoas numa caminhada pelo Calçadão da Rua Halfeld. Em 89, a hipótese de uma vitória de Covas em Juiz de Fora crescia, mas a recomendação era de cautela em relação a Collor e a Lula. Por via das dúvidas, ficou agendada uma visita de Covas à cidade para 10 de novembro.
Collor era assunto naquela noite também na redação do jornal "Tribuna da Tarde". Entre um cigarro e outro, à frente de sua velha Remington, o editor de política, Paulo César Magella, ouvia a gravação de uma longa entrevista feita dias atrás com o "caçador de marajás". O alagoano tinha passado pela cidade para participar de uma formatura. Na ocasião, concordou em falar com o editor num restaurante da área central da cidade. Paulo César teve 50 minutos com o homem que seria eleito presidente do Brasil pelo voto direto após 29 anos.
A matéria de uma página inteira estava pronta. O dia estava amanhecendo quando Paulo César caminhava para casa ainda avaliando seu personagem. "Estranho esse Collor. Não me olhou nos olhos uma única vez ao longo de toda a entrevista." O pensamento foi interrompido pelos gritos da turma do PT que acaba de deixar o Alto dos Passos e se dirigia à periferia da cidade já em campanha. Era essa a rotina dos petistas há alguns meses. Ora no Bar do PT, ora no Bar Esperança, eles se reuniam ainda na sexta-feira e emendavam as ações de campanha no sábado e no domingo. "Somos o núcleo do fogo eterno", brincava o vereador Natanael do Amaral.
Um vice ameaçado e um candidato esquecido
Tarcísio Delgado não esperou a edição da "Tribuna da Tarde" com a entrevista do Collor chegar às bancas para retornar à ponte aérea Minas-Brasília. Precisava repassar aos correligionários suas impressões sobre Alagoas. Para ele, a distância em relação às regiões Sudeste e Sul era o maior aliado do "caçador de marajás". Nada do que aparecia na mídia, relatara o peemedebista, era real. Mas uma coisa havia chamado sua atenção. "Não havia pobres em Maceió. Andei por várias ruas e não vi um só mendigo. Descobri então que eles haviam sido levados para uma área a uns 50km dali. Fui até lá. Meu Deus! Parecia um campo de concentração."
O que Tarcísio viu em Alagoas nunca virou notícia. Também não trouxe nenhuma mudança para a candidatura de Ulysses. O "velhinho", como cantava seu jingle, amargaria uma dura derrota. Depois de atuar como protagonista em toda a luta pelas eleições diretas, o PMDB não entrou na campanha de 1989. Enquanto tucanos, petistas, brizolistas, comunistas e colloridos tomavam as ruas em passeatas e carreatas, os peemedebistas ficaram em casa. Quando resolveram sair, no segundo turno, estavam divididos de Norte a Sul.
Em Juiz de Fora, além do acanhamento do PMDB, o próprio Itamar Franco e o então prefeito Alberto Bejani assistiam com discrição aqueles últimos dias de campanha. Itamar convivia com as constantes ameaças à sua condição de vice, pelas próprias "intempéries" comuns a Collor. Já Bejani havia anunciado um rompimento de véspera com Collor e declarara voto em Leonel Brizola (PDT). Quem ditava a campanha collorida na cidade era a bancada de vereadores governistas. No segundo turno, Bejani retomaria o diálogo com o alagoano. Itamar seguiria em sua via-crúcis, agora com o assédio dos novos aliados pela sua condição vice.
Com os petistas multiplicando-se pela periferia da cidade em pequenos comícios, e os tucanos a bordo de um caminhão Zona da Mata adentro, Brizola desembarcou na cidade. Ovacionado por milhares de pessoas, o velho gaúcho, em segundo lugar nas pesquisas, pregou a unidade das esquerdas na esquina das Ruas Halfeld e Batista de Oliveira. "O Lula pode ser presidente daqui a uns oito anos. Agora, não. Precisamos nos unir." Brizola acertaria a maior parte do seu prognóstico. Lula seria presidente 13 anos depois. Quanto à esquerda, ela se uniu, mas apenas naquela eleição.
Concorrido, mas ligeiro, comício encerra campanha em JF
Dia 10 de novembro de 1989. Já ficaram para trás três dias da passagem de Brizola por Juiz de Fora. Na "Tribuna da Tarde", dirigentes de PSDB e PRN convidam a população para comícios com Covas e Collor na cidade. No Alto dos Passos, os petistas estão reunidos, preparando os detalhes para o último fim de semana de campanha. No final da tarde, chega a notícia de que o mau tempo não permitirá aterrissagem do avião de Covas. Collor, já na Zona da Mata, segue para Juiz de Fora. Mesmo rompido com o PRN, Bejani se movimenta para levar o máximo de pessoas para a Praça da Estação.
Já é noite. O Bar Esperança e o Bar do PT estão cheios. Cerca de mil cabos eleitorais petistas estarão nas ruas no dia da eleição. A ordem naquele 10 de novembro era para manter a coesão na reta final. Acaba de passar a carreata do PSDB, que aconteceu mesmo sem a presença de Covas. Custódio Mattos foi o orador do comício improvisado, no Calçadão da Halfeld. Já na Praça da Estação comparece o público esperado, cerca de dez mil pessoas. Collor e Itamar estão no palanque. Itamar fala primeiro - e pouco: cerca de cinco minutos. Collor discursa em seguida por apenas dois minutos. Em seu apartamento, Tarcísio Delgado presta atenção em uma reportagem na TV sobre a queda do muro de Berlim. Quase não percebe a queima de fogos de petistas, colloridos e tucanos.
Pouco depois, no dia 15 de novembro, os brasileiros voltariam às urnas após 29 anos sem eleger diretamente o seu presidente. Ao final do primeiro turno das eleições, Lula, Collor e Covas seriam, nesta ordem, os candidatos mais votados em Juiz de Fora.
Márcia Canêdo
4 comentários:
Excelente artigo, é sempre bom conhecer um pouquinho do passado do nosso País.
Grande abraço amiga, esse novo Layout do seu blog é lindo !
E obrigado por comentar no Interessantte
Òtimo dia pra você !
Márcia
Você escolheu um artigo interessante para postar.
Não só no Brasil, mas também em muitos outros países, a política ainda engatinha para a idealidade. Estamos, ainda, distantes de condições justas e satisfatórias, mas existe a condição de escolhermos aqueles que compõem os poderes executivo e legislativo. Se essa escolha se faz bem ou mal é uma outra história, a esperança é que com o tempo e o despertar das consciências - o seu post colabora para isso, juntamente com outras ações - esse processo venha a ter melhores resultados. Este post dá luz para algo que é de fundamental importância para o desenvolvimento do nosso país : refletir sobre as realidades, anterior e posterior, a essa condição que temos de realizar tal escolha.
Um abraço.
Nelson
Márcia,
Agora pude ler seu artigo na íntegra, e a cada parágrafo, conseguia lembrar daquela época, pois participei ativamente daquela eleição.
Cheguei a enviar carta ao então Governador Mário Covas, o qual me respondeu carinhosamente.
Sempre fui PSDB, e participava de tudo.
Foi uma boa época, mesmo com todas as falcatruas, pois estas existem até hoje...
Excelente matéria minha amiga.
Bjs.
Rosana.
Tinha um amigo que me dizia que o Brasil iria ficar cada vez pior. Concordo plenamente.
Não é o povo que escolhe o Presidente, mas os caciques partidários. Infelizmente.
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